15.2.06

"Freak-Folk"

Um rapaz americano cresce viajando entre a costa leste americana e a Inglaterra, ouvindo Leonard Cohen cá e Nick Drake acolá. Um outro rapaz, venezuelano, divide a infância entre Caracas e Califórnia, sempre se dedicando a fazer música e desenhar. Ambos se tornam músicos, gravando em seus respectivos cantos do mundo.

Quatro rapazes, nascidos na “América rural”, ouvem os dois primeiros rapazes, e então decidem se mudar para Nova Iorque, tentar a sorte fazendo música. Ainda outro rapaz, este inglês, também ouve os dois primeiros e começa a compor. Ganha um certo respeito pelas apresentações ao vivo, e então decide gravar o primeiro álbum – dentro de uma igreja, e em apenas um take.

Em vagas e breves linhas, aí está a história do gênero que recentemente andam chamando de “freak-folk”. Confesso não ter muito apego à este rotulo – acho que as denominações de alt-folk, neo-folk, ou até mesmo psych-fol são mais corretas, além de não abrir portas para conotações pejorativas.

Trata-se de um movimento derivado do lo-fi, que diante da explosão da cena independente e rockada no começo dos anos 80 gerava fãs através de apresentações ao vivo e demos gravadas literalmente em garagens – que obviamente possuíam baixas qualidade de reprodução, daí o nome do estilo. Desta primeira leva surgiu R.E.M., provavelmente o nome de maior peso deste movimento. No final da década, o estilo (na verdade mais uma estética do que um estilo) se propagou com a popularização de bandas como Beat Happening, Sebadoh, e Pavement. Já nos anos 90, o estilo foi se combinando cada vez mais com uma volta ao folk, enquanto o mundo redescobria Cohen, Drake, Dylan, Guthrie e outros.

Foi mais ou menos por aí que (Smog), o rapaz americano do primeiro parágrafo, começou a lançar seus discos, gravados em casa com um microfone e um violão, dando início ao alt-folk. (Smog) foi ouvido na América e no Reino Unido, e certamente teve impacto em nomes como Elliot Smith e Badly Drawn Boy, que atingiram as rádios alternativas mundo afora. Mais abaixo do pano, ele abre espaço para o rapaz venezuelano Devendra Banhart, agora em San Francisco, gravar músicas sozinho no apartamento usando antigos e usados gravadores de quatro canais. Devendra compunha músicas quase que usando o fluxo de consciência, com apenas voz e violão. Com o incentivo de amigos, resolve arriscar mandar demos por aí e com isso arrumou shows em Paris e Nova Iorque, entre outros lugares. Nessas viagens, encontrou Michael Gira, líder da banda Swans, e dono do selo independente Young God. Gira gostou do que viu e resolveu lançar em estúdio o que muitos já adoravam ao vivo – o som de Devendra misturando latinismo e folk, sempre com letras inspiradíssimas, tanto em espanhol como em inglês.

Gira não parou por aí. O quarteto rural que se aventurou no mundo urbano em nome da música também cruzou o caminho dele, agora com o nome de Akron/Family. A Young God não só lançou o disco do Akron/Family, como Gira gravou um disco com eles, sob o nome de Angels of Light. O som deles puxa, claro, do folk, mas vai além disso. Primeiro, eles levam a idéia mais a fundo – combinaram elementos folk, como uma cadeira de balanço, dentro da música. Além disso, eles não se impõe limites. Tem músicas com uma clara puxada Radiohead, outras com um estilo mais Brian Wilson ou Beatles. Aqui se aplicaria a idéia do psych-folk, combinando os opostos e acrescentando objetos externos à música.

Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, aquele rapaz britânico cresce ouvindo (Smog), e resolve seguir a idéia. Sai compondo e tocando música por aí, e logo começam a falar sobre os shows dele, e sobre as letras. David Thomas Broughton decide então gravar um álbum – mas para capturar a essência dos shows ao vivo ele grava dentro de uma igreja em um take só. Cinco músicas, quarenta minutos. No disco, ouvimos a voz poderosa de Broughton firmar letras com temas clássicos do folk – o amor, a morte, e os dois juntos. Em certa parte, sinos da igreja entram na música, e não dá pra saber se é planejado ou se simplesmente aconteceu assim. Voltando, de certa forma, ao mais puro folk, David Thomas Broughton faz música com simplicidade, muito diferente do Akron/Family – mas ao mesmo tempo os dois são expoentes do mesmo movimento.

Estes quatro nomes são só alguns exemplos de tudo isso. Há também as belas composições de Iron & Wine, ou o incrível projeto de Sufjan Stevens de lançar um álbum sobre cada estado americano. O novo folk não tem limitações, e nem se prende em poucas figuras. É um movimento honesto e sem maiores ambições comerciais, e no entanto se encontra em um ponto-limite em que em breve terá de confrontar o lado vendável da coisa, luta que já ocorreu nos anos 70. Mas algo tão recheado de promessas, vindas do centro de corações mundo afora, pode ser capaz de sair sem maiores feridas deste combate. E, se perder, certamente terá aí temas para mais lindas canções.